Quando a exceção vira regra: o que o caso Moro revela sobre o Estado de Direito
Escrevo este texto como cientista social, mas também como cidadão que acredita que a democracia só se sustenta quando o poder, inclusive o poder judicial, tem limites claros. As recentes ações da Polícia Federal na 13ª Vara Federal de Curitiba nos obrigam a retomar um debate que nunca deveria ter sido interrompido: vale tudo em nome do combate ao crime? Os documentos apreendidos indicam que, ainda antes da Lava Jato, o então juiz Sergio Moro teria autorizado práticas incompatíveis com a Constituição. Um despacho de 2005 chama atenção de forma especial: nele, um auxiliar é orientado a refazer gravações por serem consideradas “insatisfatórias para os fins pretendidos”. Essa frase diz muito. Ela sugere que a produção da prova não era apenas recebida pelo Judiciário, mas, de alguma forma, direcionada. *Quem pode grampear quem?* Outro ponto grave revelado pelos documentos é a existência de escutas contra autoridades com foro por prerrogativa de função, incluindo desembargadores e agentes políticos. Pela Constituição, esse tipo de medida só pode ser autorizado pelo STF ou pelo STJ. Quando isso ocorre fora dessas instâncias estamos diante de uma violação direta do princípio do juiz natural. Isso não é um detalhe técnico, é uma garantia básica do Estado de Direito. Como lembra Luigi Ferrajoli, limitar o poder punitivo do Estado não protege criminosos, protege a sociedade contra o arbítrio. *Delação não é espionagem* A colaboração premiada foi pensada como um instrumento excepcional, cercado de controles. O que os documentos sugerem, porém, é seu uso como ferramenta informal de investigação, com delatores atuando como agentes de inteligência. Esse desvio compromete a legalidade da prova e fragiliza o devido processo legal. Lenio Streck alerta há anos para os riscos de um direito penal orientado por resultados no qual as garantias passam a ser vistas como obstáculos. Quando isso acontece, a exceção deixa de ser exceção. *O problema não é um juiz, é um método* Não se trata de apontar erros individuais ou episódios isolados. O que se revela é um padrão. Um método. A ideia de que, diante de um “inimigo”, no caso, a corrupção, a Constituição pode ser relativizada. Giorgio Agamben chama isso de normalização do estado de exceção: quando práticas juridicamente proibidas passam a ser aceitas como parte do funcionamento normal das instituições. O efeito disso é corrosivo. A curto prazo, pode parecer eficiente. A longo prazo, destrói a confiança no sistema de justiça. *Democracia não combina com atalhos* Combater o crime é necessário. Mas não há democracia sem regras, sem controle e sem limites. Quando o Judiciário ultrapassa essas fronteiras, não está fortalecendo a democracia, está abrindo caminho para o arbítrio. Defender a Constituição não é proteger culpados. É proteger a sociedade. Porque, quando a exceção vira regra, ninguém está realmente seguro. Referências: AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto — decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2019. Francisco José de Oliveira Cientista social
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7/10/20251 min ler
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